quarta-feira, 27 de abril de 2011

O colar dos Hudikawa

Gosto de escrever, segue um conto do ano passado de minha autoria. Espero que gostem.O colar dos Hudikawa

Meu interesse por objetos da cultura africana vinha de algumas décadas, lembro-me como se fosse ontem da primeira vez em que visitei aquele fantástico e, ao mesmo tempo, enigmático continente.
Com vinte e poucos anos, fui atrás de diamantes, mas, como não os encontrava, comecei a me interessar cada vez mais pela cultura local. Em longas conversas, descobri que aquele pedaço do país pertenceu por muito tempo a uma tribo de guerreiros chamados Hudikawa.
Tal nome significava "rostos da morte", referência às famosas máscaras usadas por eles em execuções de inimigos e estrangeiros.
Mas, o mais surpreendente era o fato de que eles avisavam a vítima de que a morte estava próxima. Um colar de pedras negras como a noite era o sinal. Sempre sonhei em ter um desses em minha imensa coleção de artefatos africanos, comprado, é lógico.
O tempo passou bem rápido e agora estou com quase sessenta anos, possuo uma galeria imensa com cinco mil objetos de origem africana que geram um lucro grandioso para se viver confortavelmente na cidade de Nova Iorque.
Certa tarde, um pequeno pacote chegou à minha casa, o remetente era de Accra, cidade dentro do território dos Hudikawa, se não me falha a memória, talvez fosse enviada por um velho amigo daquela região.
Deixei de lado, pois estava atualizando os dados de alguns objetos para que os visitantes tivessem amplas informações também pela Internet. O site da galeria possui o conteúdo em cinco idiomas, incluindo um dialeto africano, seria importante para que pessoas do mundo inteiro conhecessem meu trabalho de décadas.
À noite resolvi abrir o pacote, muito bem embrulhado, por sinal. Por um momento, fiquei sem palavras, poderia dizer que minha coleção havia se completado naquele momento. Observava aquele colar em silêncio, as pedras negras e redondas eram de uma perfeição incrível, frutos do árduo trabalho das mulheres daquela tribo.
Procurei feito louco por uma nota fiscal, um recibo ou um boleto, nada. Talvez não deveria me preocupar muito, algum amigo deveria ter comprado com algum mercador ou em alguma feira local e gentilmente me presenteado.
Resolvi catalogar aquele colar também, para isso, além de descrevê-lo, apresentei detalhes sobre o ritual no qual ele estava inserido. Certa vez, um chefe da tribo me disse, espero que consiga recordar bem as palavras daquele senhor negro e magro com um olhar meio sombrio:
"Os deuses nos falam sobre aqueles estrangeiros que invadiram nossas terras, desrespeitaram nossos ancestrais, levaram nossa gente e nossas coisas para muito longe, sem ao menos pedir permissão aos senhores dessa terra e também do outro mundo. Quem não respeita os deuses, deve morrer.
Então, fazemos o colar para avisar o estrangeiro sobre os riscos. Se ele devolver o que nos tirou, os deuses salvam seu espírito. Caso contrário, o carregam para a escuridão."
Dei um sorrriso, essas lendas hoje não tem sentido algum e, mesmo se fossem verdade, um guerreiro não viria de avião para Nova Iorque a fim de matar alguém.
Me deitei pensando em que lugar da galeria colocaria o colar dos Hudikawa. Ou esperaria para conseguir um "rosto da morte": marrom com uma cruz e quatro círculos brancos? É verdade, minha coleção ainda não estava completa, faltava a máscara.
Um vento frio me acordou no meio da madrugada, uma luz tênue estava projetada na parede. Conseguia distinguir a figura de um homem negro usando uma máscara com o desenho de uma cruz e quatro círculos.
Seria uma brincadeira de mau gosto?
Tarde demais. Já estava morto com um colar no pescoço.

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